sábado, 20 de outubro de 2012

Frio

O calor humano é uma sensação estranha.
Os humanos conseguem ser quentes em seus corpos e frios em seus sentimentos.
Vi durante séculos feiticeiros que se especializaram no fogo com a esperança de serem respeitados pelo seu poder de destruição. Vi também vários magos que procuraram no fogo um sentido maior para sua existência observando as chamas tremularem em velas e se aquecendo em lareiras deitados lendo seus livros.
Eu fui diferente. Eu busquei compreender a frieza dos seres. Busquei compreender como a indiferença muitas vezes é a maior arma contra qualquer exército. Eu busquei o conhecimento, evoluí e combati o fogo com minha pele gelada. Me tornei um ser frio literalmente.
Agora sou o floco de neve que no meio de uma nevasca nunca é percebido mas que pode apagar uma fonte de calor com um simples toque. Agora me tornei aquele que durante a noite passa por entre seus cabelos em forma de brisa e que faz com que você se arrepie procurando se agasalhar. Agora sou aquele que sua mãe sempre disse pra você tomar cuidado ao sair de casa, dando um agasalho com a esperança de protegê-lo de alguma forma.
Aprendi a ser assim, aprendi a me distanciar do calor humano, aprendi a ser um ser que não depende de outros para existir, aprendi a ser aquele que quanto menos próximo estiver dos humanos mais poderoso estarei.
O calor humano me dá medo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Incerteza

Odeio quando não sei o que é real e o que não é... E isso tem ficado cada vez mais frequente...
Na verdade isso sempre aconteceu, é como se minha própria existência fosse uma incógnita... É como se tudo que passo apenas deixasse minha vida menos real...
E quando olho pra trás só vejo incertezas, só vejo mau entendidos, só vejo um grande pesadelo que apesar de não parecer real me causa medo...

No final das contas eu gosto disso tudo, além de não viver uma vida seca de certezas onde todos os dias são iguais, o medo não é lá um grande problema...
O que passou é história, o futuro é sempre incerto e sempre causará medo, por isso esse sentimento é o menos preocupante...
O que é realmente preocupante é pensarmos que a criação do novo futuro não depende só de nós... Uma unica mente pode sim criar um futuro, mas não estamos sozinhos... Todas as mentes criam seus próprios futuros e infelizmente essas histórias, essas mentes e esses futuros se cruzam, criando um choque de incerteza.

O que nos resta é trabalhar no nosso futuro, tentar impor a nossa mente e tentar diminuir a incerteza ao nosso redor. O que nos resta é tentar criar um futuro para nós mesmos. O grande problema é conseguirmos não causar os choques de incerteza nós mesmos...
Afinal, muitas vezes nem nós mesmos sabemos o que seria melhor para nosso futuro...

Pensando melhor... Os choques de incerteza me dão medo... E eu gosto disso...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Expectativas


Eu andava pela cidade depois de mais um dia cansado de trabalho...
Desta vez percebi algumas coisas diferentes em meu trajeto: o poste do ponto de ônibus estranhamente não oscilava, aquela senhora que sempre sentava atrás de mim no ônibus não estava lá, aquele mendigo que sentava todos os dias na esquina de minha casa para cantar bêbado estava sentado na praça a duas quadras do meu prédio e, o mais estranho, consegui encaixar a chave na porta do meu apartamento de primeira...
Confesso que isto me deixou um pouco preocupado... É estranho quando as coisas saem do normal, é estranho quando nossas expectativas sobre tudo ao nosso redor simplesmente são destruídas violentamente e é mais estranho ainda quando apenas você percebe estas mudanças.
Neste dia perdi meu referencial do que acreditar... A prefeitura teria finalmente se lembrado que aquele ponto de ônibus era um local perigoso? Aquela senhora teria pegado um ônibus diferente? O mendigo estava sóbrio? E a chave? Como eu simplesmente consegui encaixá-la de primeira na porta?
A chave muito me intrigou... Quatro anos com a mesma rotina e eu nunca havia conseguido entrar em casa sem ficar procurando a certa no corredor do prédio.
O bêbado muito me intrigou... Quatro anos com a mesma rotina e eu nunca havia conseguido passar pela esquina do prédio sem ele me parar pra pedir um trocado.
A ausência da senhora muito me intrigou... Quatro anos voltando cansado do trabalho e tendo que ouvi-la falar das proezas de seu filho na faculdade.
O poste muito me intrigou... Quatro anos sendo obrigado a prestar atenção em cada movimento e barulho no escuro quando o poste apagava.
Mas neste dia foi diferente.